segunda-feira, 6 de julho de 2009

Brecha em lei pode beneficiar superposseiros na Amazônia

Convencido de que a floresta existe para “servir ao homem”, o paulista Roger Bressani* ocupa 190 quilômetros quadrados de terras da União na Amazônia –7,6 vezes o limite máximo de venda de terras públicas permitido pela Constituição. Roger cria gado, como a maioria dos candidatos ao programa de regularização fundiária do governo na região de Marabá, com altos índices de desmatamento e recordista em conflitos fundiários no país.

O programa Terra Legal pretende dar ou vender –grande parte a preço simbólico e sem licitação– 674 mil quilômetros quadrados de terras da União nos próximos três anos e não exclui as chances de Roger se tornar proprietário das terras. É o tipo de situação temida por alguns ambientalistas.

Embora o governo dê destaque para o grande número de pequenos posseiros a serem beneficiados, um número reduzido de posses (6,6%) reúne quase 73% das terras da região. Elas também poderão ser regularizadas mediante a divisão dos imóveis entre familiares, por exemplo.

Diferentemente dos grileiros, que ocupam terras públicas por meio de documentos forjados, os superposseiros como Roger não escondem que se apossaram de bem público. “Terra da União, na verdade, é do povo. Nunca pensei que fossem me tomar. Para dar para quem? Quem é melhor do que eu?”, diz Otávio Moura*, presidente da associação local de pecuaristas, também posseiro, junto com os filhos, de uma área de 30 quilômetros quadrados, que também deverá ser dividida e regularizada, sem licitação. “Aqui, ninguém tem título”, resume.

Tanto Roger quanto Otávio podem vir a se beneficiar de uma brecha no programa, o fracionamento dos imóveis entre membros da família, para obter os títulos de propriedade. O governo não se opõe a essa possibilidade, desde que as terras não sejam tituladas em nomes de laranjas.

Outra brecha no programa é o prazo de ocupação. A lei, sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva na quinta-feira, fixa 1º de dezembro de 2004 como data limite da ocupação. Desde a versão original da medida provisória editada pelo governo, no entanto, o texto prevê que a ocupação se dê por meio de “antecessores”. Na prática, o governo vai admitir transferência da posse em período posterior, desde que a terra tenha sido desmatada até 2004, conforme imagens dos satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

A situação dele será analisada pelo programa, assim como os imóveis com área superior ao limite da lei e que vierem a ser fracionados. Provavelmente, haverá vistorias nas áreas. “Se criarmos muitas restrições, não conseguimos trazer [os ocupantes de terras públicas] para a legalidade”, avalia o coordenador do programa Terra Legal, Carlos Guedes.

Na primeira semana de cadastramento, limitado a poucas cidades ainda, 600 candidatos já se inscreveram.

As filas do cadastramento do Terra Legal são um retrato da ocupação da Amazônia. Em geral, ocupantes de terras públicas têm uma visão peculiar da floresta, que conheceram, nos anos 70 e 80, bem diferente da paisagem atual, na qual pastos predominam. “O homem da Amazônia não é um monstro. Todos queremos preservar, mas não à custa da nossa vida. Entre a mata e eu, vai morrer a mata. Os atores ganham a vida beijando na televisão, nós não”, alega Luiz Antônio*, numa referência aos atores que levaram abaixo-assinado a Lula em defesa da Amazônia.

Cecílio Ribeiro*, garimpeiro de Serra Pelada, não pagou nada pelos cerca de 29 quilômetros quadrados da União que ocupou em 86, no rastro da extração de mogno. Ele espera regularizar as terras, localizadas no município vizinho a Marabá, no limite do território dos índios Xicrim. “Não tivemos condições de abrir a mata, a despesa era muito grande”, disse, na expectativa de ser remunerado pelo governo para manter a floresta em pé.

Com a família na fila do cadastramento, o agricultor Ricardo Borba* chegou há sete anos na região, pagou pouco mais de R$ 100 por hectare da terra da União que ocupa. Pelo tamanho, Borba deve receber o título de graça. Cria 30 cabeças de gado, quase nada perto das 18 mil cabeças do superposseiro Bressani.

*Os nomes utilizados no texto são fictícios.

Qual a sua opinião? Como essa situação deve ser contornada?


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